Mulheres super poderosas
- Equipe Labrys
- 11 de nov. de 2018
- 20 min de leitura
Atualizado: 15 de nov. de 2018
Com o grande uso de redes sociais em suas campanhas, as mulheres bateram recorde de representatividade política nas eleições gerais de 2018. Entenda quem são elas, como lutam pelo poder, e de que maneira a esfera pública digital tem papel fundamental nisso
Em 2018, as mulheres candidatas e eleitas a cargos políticos utilizaram as redes sociais em suas campanhas como nunca. Por conta dessas campanhas, muitos votos femininos foram conquistados nas últimas eleições, fazendo com que quase 9 mil mulheres concorressem a um cargo de poder, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em relação as eleições de 2010 e 2014, nas quais as mulheres representaram, respectivamente, 22% e 29% do total de concorrentes, houve um pequeno aumento da participação feminina na política.
Apesar do número de candidaturas femininas não ter tido um crescimento significativo em relação as últimas eleições, o percentual de mulheres eleitas aumentou de 10% para 15% em 2018. A bancada feminina, antes composta por 53 parlamentares, agora terá 77 integrantes. Por mais que ainda estejamos distantes de alcançar uma representatividade digna, em um país onde 52% do eleitorado é feminino, o percentual é o maior já alcançado pelas mulheres na história do Brasil.
Dados: TSE
Já no Distrito Federal, a representatividade feminina cresceu em relação a Câmara Federal, já que das oito cadeiras a que tem direito, a unidade federativa ocupará cinco com políticas mulheres de 2019 a 2022. Entre essas mulheres estão Flávia Arruda (PR), Érika Kokay (PT), Bia Kicis (PRP), Paula Belmonte (PPS) e Celina Leão (PP). Enquanto isso, no senado, Leila do Volêi (PSB) foi eleita com aproximadamente 500 mil votos. Portanto, na Câmara Legislativa do DF a participação feminina diminuiu em relação ao último mandato, e passou de cinco para três representantes. Dos 24 deputados distritais eleitos, apenas Arlete Sampaio (PT), Telma Rufino (PROS) e Júlia Lucy (Novo) se elegeram.

Tendo esses dados em mente, reconhece-se que os movimentos feministas ainda precisam percorrer um longo caminho para que se conquiste a tão desejada e necessária representatividade política. Ana Paula Martins, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (NEPEM) e doutora em sociologia, acredita que a importância de uma representatividade feminina plena está no fato de que as mulheres, ao ocuparem espaços de decisões, representam experiências vividas necessárias para a elaboração de políticas públicas.

A professora, que atualmente integra o departamento de gestão de políticas públicas da Universidade de Brasília (UnB), também compreende que o sistema de cotas nos partidos políticos não possui efetividade para que mais mulheres sejam eleitas. “Dificilmente os partidos terão recursos igualitários para homens e mulheres, de modo que muitas vezes as campanhas femininas não são prioridade para esses partidos. As mulheres chegam a concorrer, mas não tem prioridades no momento de suas campanhas”, explicou Ana Paula, alertando para a necessidade de se pensar em outros mecanismos de participação da mulher.
O Brasil tem menos mulheres na política do que o Afeganistão, segundo ranking mundial de participação de mulheres no executivo, publicado pela União Interparlamentar Internacional (UIP) em 2017, estando em 167º lugar no ranking.
“Em uma sociedade igualitária, o acesso aos bens, aos serviços e aos cargos públicos deve ser igualitário. As pessoas devem ter chances iguais de ocupar os espaços políticos e de decisão. Isso deve ser levado em consideração, já que o Brasil é um dos piores lugares do mundo no ranking de mulheres no parlamento”
- Ana Paula Martins
Conexão Feminista Justamente por não possuírem os mesmos privilégios que os homens no momento de campanha, as mulheres que desejam entrar na política preferem utilizar a esfera digital para divulgar seus planos de governo e projetos de lei. Com isso, as eleições de 2018 foram marcadas por uma campanha online articulada em redes sociais de grande alcance, como WhatsApp, Twitter, Facebook, Instagram, e as vezes, até mesmo no Tinder, como é o caso da candidata a deputada distrital do DF Hellen Frida (PT).
As informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad C), divulgada pelo IBGE em 2016, mostram que quase 65% da população - 116 milhões de brasileiros - tem acesso à internet. De acordo com Ana Paula, essa utilização cada vez mais comum da internet e das redes tem um efeito na própria política. “As grandes manifestações e os novos movimentos sociais têm sido impulsionados especialmente pelas relações que se dão na vida virtual. O feminismo é um exemplo disso, já que a propagação dos valores feministas, a divulgação de encontros e protestos políticos desse movimento está acontecendo constantemente através de redes sociais”, declarou a professora.
“A internet é como uma faísca, que se origina de algo já existente. Ela tem o potencial de produção e democratização da informação. ”
- Ana Paula Martins, sobre o papel da esfera digital na política
Em sua fala, Ana Paula fez referência ao sociólogo espanhol Manuel Castells, que pensava no espaço virtual como um espaço legítimo para a produção de identidades políticas. Com base na teoria do sociólogo, conclui-se que a criação do ser político se dá a partir do encontro virtual, que tem potencial de articular protestos, manifestações e reuniões entre pessoas com experiências e ideais semelhantes, constituindo assim o campo social. “O campo virtual também é um campo social, pois é nesse espaço que se cria e organiza atividades políticas”, explica a pesquisadora.
Além disso, a rapidez com que as informações chegam nas pessoas na era digital é um fator que facilita a garantia de direitos da mulher. Isso acontece porque a internet possibilita que as mulheres conquistem um espaço de fala próprio, um espaço de difusão de valores e crenças feministas. “Contrariamente ao argumento de que a internet é um lugar de isolamento, solidão e bolha social, acredito que nas redes o indivíduo está sempre em contato com outros produzindo uma intersubjetividade política. A internet forma corpos políticos”, afirmou Ana Paula.
O movimento feminista na esfera digital, conta com a colaboração de duas importantes ferramentas, a robô Beta e a Maria(lab). A robô é feminista e foi programada para atualizar mulheres interessadas sobre o que podem fazer pelo movimento, avisá-las sobre petições e ajudar na mobilização de mais mulheres. Já a Maria(lab), é uma coletiva hacker de caráter feminista, que tem como principal objetivo guiar o conhecimento e o caminho das mudanças sociais através de tecnologias com uma perspectiva diferente. Ambas são de extrema importância política e impulsionam o movimento de maneira mais atual, quebrando os paradigmas dos sistemas elaborados pela percepção masculina.

No ano de 2018, outro fator que impulsionou a eleição de mais mulheres foi a campanha #MeuVotoSeráFeminista, coordenada em todas redes sociais como uma iniciativa da partidA, coletiva e suprapartidária orientada à esquerda. A iniciativa foi propagada nas redes com o objetivo de promover uma ocupação da política institucional por, para e com mulheres feministas que possuam um projeto de democracia com real justiça social, diálogo e combate a todas as formas de desigualdade e opressão.
Outra iniciativa foi a Campanha de Mulher, realizada pela Mídia Ninja através de suporte operativo (fornecimento de audiovisual, redes sociais, design, fotografia e assessoria de imprensa) para campanhas de candidatas mulheres, escolhidas via edital. O projeto contou com a participação de 120 candidatas espalhadas em 17 estados e no DF, que tiveram vídeos produzidos pela equipe de comunicadores da Mídia Ninja. A campanha tinha como objetivo apoiar mulheres que concorreram nas últimas eleições, assim como romper com a ideia de que mulheres não pertencem a política.
E quem são elas? A equipe Labrys entrevistou 5 mulheres que lutaram pelo protagonismo político nas últimas eleições: Erika Kokay (PT), Hellen Frida (PT), Vanessa Negrini (PT), Fátima Sousa (PSOL) e Rita Andrade (PSOL). As candidatas, todas feministas, se abriram sobre suas trajetórias na política, os desafios que vivenciaram por serem mulheres, e explicaram sobre a importância do meio virtual para suas campanhas.
Durante entrevistas, pautas atuais e importantes para o modo feminino de se fazer política foram abordadas, como a repercussão do caso Marielle Franco na política, a conquista do direito ao voto pelas mulheres e o movimento “Mulheres contra Bolsonaro”, articulado através de redes sociais por mulheres de todo o país.
Erika Kokay: 42 anos de luta
Erika Kokay, 61 anos e filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), ocupa atualmente o cargo de deputada federal do DF, em seu segundo mandato. Esse ano, foi reeleita para o terceiro mandato na câmara dos deputados, sendo a segunda candidata mais votada no DF, com cerca de 89 mil votos. Antes disso, Erika também exerceu dois mandatos como deputada distrital, e até hoje, foi a única mulher a ocupar a presidência do sindicato dos bancários, o que fez por dois mandatos.
A deputada conta, em entrevista exclusiva, que iniciou sua vida política na UnB em 1976, em meio a ditadura militar. Ao ingressar na faculdade de psicologia, se encontrou em um movimento estudantil organizado e que lutava pela democracia, liberdade e garantia de direitos. “Durante minha vida, sempre me incomodei muito com o sofrimento do outro. Sempre me incomodei por estar em um país onde as pessoas, dependendo da família em que nascessem, não teriam o direito de estar na universidade, ou de exercer a liberdade”, explica ao ser questionada sobre os motivos que a levaram a ingressar na vida política.

Erika Kokay é uma mulher de luta. Isso é demonstrado ao longo dos 42 anos de envolvimento com a política, marcados por diversas lutas. Durante seus anos como parlamentar, foi alvo de muito machismo e assédios, e chegou até mesmo a ser agredida fisicamente na câmara dos deputados, por outro parlamentar. A deputada declarou que mesmo após ter feito uma denúncia e boletim de ocorrência, o caso nunca foi levado adiante pela justiça. “Hoje nós temos muitas mulheres ocupando espaços que os homens pensavam ser apenas para eles, e todas sofrem com esses assédios”, afirmou Erika.
A deputada compreende que a falta de representatividade feminina na política é consequência de um processo de dominação sexista e machista, que ocorre na sociedade desde os tempos do colonialismo. “O parlamento tem que ser uma representação da sociedade, e nós temos a maioria da sociedade composta por mulheres”, afirma Erika. Ela também discorreu sobre a construção social de gênero que acontece há décadas no mundo todo, explicando: “Nós (mulheres) não somos discriminadas porque nascemos mulheres, mas sim porque se construiu uma concepção cultural e social que estabelece papéis para mulheres, uma construção de gênero que faz com que a mulher seja vista de forma subalternizada em relação aos homens”.
Na visão da deputada, a construção de gênero também é responsável por determinar que o lugar da mulher, é em casa e exercendo tarefas domésticas. Assim, os espaços de poder público acabam sendo ocupados majoritariamente por homens.
“Não basta ser mulher. É preciso que as mulheres ocupem espaços de poder com uma pauta de equidade de gênero, de igualdade de direitos. É preciso fazer política como uma mulher, abarcando e defendendo as pautas relativas aos direitos das mulheres”
- Erika Kokay, deputada federal do DF, sobre a importância de se eleger mais mulheres feministas na política
Durante entrevista, Erika também chamou atenção para os males e benefícios da esfera digital para a política: “Os espaços públicos estão sendo tirados da população, as ruas e praças já não são nossas, tudo está sendo dominado por eles (homens). As redes sociais buscam furar esse domínio, mas é preciso que tenhamos controle sobre elas”. Diversas vezes a deputada ressaltou a função negativa da internet para a propagação de notícias falsas. Ela, inclusive, já foi vítima de várias mentiras espalhadas pelos meios de comunicação, por isso, criou projeto de lei para criminalizar as fake news.
A deputada utiliza as redes sociais – Facebook, Instagram, Twitter - com grande frequência para dialogar com o público e manter transparência política. “Acredito que as redes furam o bloqueio de uma mídia dominada pelos grandes grupos econômicos, mas é preciso que tenhamos um nível de atuação do estado nisso para impedir a reprodução de notícias falsas”, declarou Erika, ao constatar a grande influência que as fake news exercem em processos decisivos da política brasileira.
Confira trecho da entrevista com Erika, na qual a deputada reafirma os malefícios da internet para a política:
Vídeo e edição: Thaís Moura e Victória Côrtes.
O sexismo na internet durante o governo Dilma
O sexismo foi um fator visível durante a candidatura e posse de Dilma Rousseff, na qual a internet foi bombardeada de chacotas sobre a ex-presidente. Piadas sobre sua aparência e seu modo de falar aconteciam de forma recorrente nas redes. De maneira nociva, a presidente foi exposta e ridicularizada. As piadas, de maneira geral, pouco falavam sobre sua forma de governo, mas ridicularizavam sua aparência. Muitas vezes, a chamaram de “caminhoneira”, falavam sobre seus dentes, suas roupas e seu peso. Na época, era possível ver diversos memes e comentários ofensivos em várias redes sociais.
Memes e comentários ofensivos e sexistas sobre a ex-presidente. Para ver mais, clique na seta branca a direita.
Após as eleições de 2014, nas quais Dilma foi eleita presidente, foi aberto o processo de impeachment. Entretanto, o motivo dado a retirada da presidente foi a acusação do crime de “pedaladas fiscais”. O fato de que presidentes anteriores já haviam sido acusados pelo mesmo fator trouxe a sensação de que os motivos para a realização do impeachment seriam outros. “O que aconteceu com a Dilma durante seu mandato e o impeachment foi uma violência psíquica-moral tremenda. Aconteceu uma violência estética, imagética, psicológica, moral, tão grande... E quem assumiu o poder foi com esse discurso moralista. Que hipocrisia é essa? ”, questionou Hellen Frida, candidata do PT a deputada distrital do DF nas últimas eleições.
“Quem mais foi para as ruas para defender Dilma foram as mulheres, porque todas nós nos sentimos violentadas e extremamente atacadas, pois essa foi a primeira vez em que tivemos uma mulher como presidente do país. Foi um golpe extremamente misógino”
- Hellen Frida, sobre o impeachment da ex-presidente
Confira o áudio de Hellen sobre o ocorrido:
“Os erros que Dilma cometeu foram erros que Lula cometeu desde o início. Ela pagou um preço muito alto por ser mulher, e o impeachment ainda foi gestado na casa dela, pelas suas costas”, declarou Fátima Sousa (PSOL), candidata ao governo do DF, em entrevista ao blog Labrys.
O sexismo pode ser visto em vários setores do dia a dia, mas muitas vezes passa despercebido. E o que, afinal, é sexismo? É a discriminação e objetificação sexual, baseada no gênero. Com isso, pode-se perceber que isso esteve dentro da candidatura e do processo de impeachment, de maneira escancarada.
Hellen Frida: Dê um match na revolução

Hellen Cristhyan – conhecida como Hellen Frida -, de 27 anos e co-fundadora do espaço Casa Frida, foi candidata ao cargo de deputada distrital (PT). Nasceu na Bahia, e contou que desde pequena, teve muitas referências femininas na família. Um dos principais objetivos da sua campanha foi a inclusão e representatividade de mulheres e da periferia na política. Ela conta que usou a internet de maneira divertida e interativa, e que usufruiu até mesmo do Tinder, com o movimento #DêUmMatchNaRevolução. “O movimento de rua tem o limite da própria ocupação espacial, então quando você disponibiliza isso na rede social, é possível alcançar um número muito maior de pessoas”, destacou Hellen.
Confira trecho da entrevista com Hellen:
Vídeo e edição: Victória Côrtes
Ela também chamou atenção para alguns pontos negativos das mídias sociais: “O Facebook está todo mapeado. Se você passa a pesquisar, postar e curtir coisas sobre um candidato, o Facebook toma seus dados e passa a te dar só informações dele. Isso te torna totalmente alienado, você passa a ver apenas as notícias daquela bolha”. A manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet, que foi tema da redação ENEM 2018, foi de grande influência para as eleições. Através disso, são coletados, de maneira automática, as buscas e interesses dos usuários. Contudo, o conteúdo que aparece nas timelines são selecionados, fazendo com que ideologias políticas opostas raramente apareçam para alguém que não tenha pesquisado sobre anteriormente, o que torna a navegação não só otimizada, como também manipulada.
CASA FRIDA: UM ESPAÇO DE ACOLHIMENTO
A Casa Frida, localizada em São Sebastião, foi fundada em Junho de 2014 com o objetivo de acolher mulheres vítimas de algum tipo de violência. O nome, dado em homenagem a Frida Kahlo, tem também um significado próprio: (f)eminismo, (r)evolução, (i)gualdade, (d)iversidade e (a)mor. As mulheres acolhidas no espaço têm a possibilidade de participar de oficinas e passar o tempo necessário tendo a Casa como residência.
Dentre os projetos realizados pela Casa, existe uma cooperativa para mulheres em situação de violência, em que acontece a confecção de bolsas através de retalhos e calças jeans doadas. Elas venderão as bolsas no final do ano, como presentes de Natal. O objetivo principal do projeto é gerar renda e autonomia, para que essas pessoas possam, aos poucos, sair desses ciclos de violência.
Casa Frida, localizada em São Sebastião, no DF. Para ver mais imagens, clique na seta branca a direita. (Fotos: Thaís Moura e Victória Côrtes)

Hellen contou que, há alguns meses, na rua onde é localizada a Casa Frida, surgiu uma rede Wi-Fi nominada como “o estuprador”. O assunto teve grande repercussão e surgiu um movimento feito pelas mulheres da vizinhança. “Quando começamos a pensar em intervenções para acabar com isso, fizemos uma campanha junto com o coletivo ‘deixa ela em paz’, de Recife, e saímos colando esse panfleto nas ruas da região. Depois disso, a rede caiu de fato", explicou Hellen.
Marielle presente, Marielle semente

O resultado das eleições de 2018 mostraram que as mulheres estão ganhando mais espaço no cenário político brasileiro. Um caso que repercutiu fortemente esse ano, e que serviu de incentivo para que mais mulheres se candidatassem a cargos políticos, foi a morte da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco.
Em 14 de março, Marielle foi baleada no caminho para casa após um debate com jovens negras. “O feminicídio político que aconteceu com a Marielle é um fenômeno muito sério. Me parece que essas eleições são uma resposta a isso. O papel das mulheres na luta por espaço na política é uma reação ao feminicídio político cometido contra Marielle”, comentou Ana Paula.
"Eles tentaram nos matar, mas não sabiam que éramos sementes"
- Provérbio citado em eventos do dia 14 de março, em luto à morte da vereadora carioca.
“Ela foi executada por ser uma mulher, por ser preta, LGBT, periférica e ativista dos direitos humanos. Marielle foi morta por dizer a verdade e ser quem ela é. Isso fez com que as pessoas percebessem que tem algo errado, que não dá mais para não reagir”, disse Hellen Frida.
A morte de Marielle, por outro lado, não conseguiu silenciar as mulheres de luta que continuam buscando espaço na política e na sociedade, mas sofrendo as tentativas de terem sua vozes caladas. O caso serviu de impulso para que mais mulheres em condições semelhantes a ativista se candidatassem nas eleições de 2018. Entre essas mulheres, pode-se citar as recém-eleitas deputadas do Rio de Janeiro, Renata Souza, Dani Monteiro, Mônica Francisco e Talíria Petrone, todas do PSOL e ativistas em prol dos direitos humanos.
Segundo o levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, o número de menções no twitter de palavras como “mulher”, “negra”, “execução”, “executada” chegaram a quase 570 milhões em 19 horas após a morte da vereadora. Pessoas do mundo todo se mobilizaram nas redes sociais por se identificarem com alguma das causas pelas quais Marielle lutava. O caso também teve grande repercussão na mídia internacional. Veja:
Mídia se mobiliza diante do caso de Marielle Franco. Para ver mais imagens, clique na seta branca a direita.
Vanessa é o bicho!
Vanessa Negrini, 43 anos, é bacharel em comunicação organizacional, mestre e doutoranda em políticas de Comunicação pela Universidade de Brasília. Ela se candidatou a Deputada Federal, pelo Partido dos Trabalhadores no DF. Sua campanha se popularizou pela frase “Vanessa é o Bicho”, divulgada com frequência em suas redes sociais.
Ela acredita que a comunicação organizacional efetiva pode colaborar com mais transparência e diálogo com o cidadão. Como passou muito tempo de sua vida dentro da UnB, isso contribuiu para que ela amadurecesse como pessoa e como mulher, foi lá também que pela primeira vez se sentiu representada por outras mulheres. Sua campanha é baseada em defender ensino gratuito para a população na universidade pública, na emancipação da mulher, proteção animal e pela democratização da comunicação. A candidata teve cerca de 6 mil votos (0,42% dos votos válidos) segundo o site Gazeta do Povo, porém não foi eleita nas eleições de 2018.
Em entrevista ao blog Labrys, Vanessa conta que a internet foi uma das maiores influenciadoras na sua campanha, pois não pôde comparecer a todos os lugares, mas mesmo assim obteve muitos votos. Isso ocorreu por conta da divulgação online através das redes. Além disso, sua campanha também obteve muito sucesso na TV.
Vanessa Negrini é feminista, e acredita que a esfera pública digital é muito importante para aglomerar as pessoas, difundir informações e organizar atividades. Porém, em sua opinião, o que fortalece o movimento é ir para as ruas, tendo também pequenas atitudes em casa e no trabalho. “O movimento ocorre nas ruas. Ruas em um sentido mais amplo, no sentido de espaço público”, declarou a ex-candidata.
“Preciso ser feminista no meu trabalho quando não aceito receber salário menor desempenhando a mesma tarefa. Preciso ser feminista na sala de aula, quando não permito que um homem interrompa a fala de uma garota. Preciso ser feminista quando estendo a mão para outra mulher e ajudo ela a alcançar sua potencialidade”
- Vanessa Negrini sobre feminismo
Mulheres contra Bolsonaro
Em 29 de setembro de 2018, dia anterior ao primeiro turno das eleições, milhares de mulheres saíram às ruas em protesto contra o candidato Jair Bolsonaro, recém-eleito Presidente da República. As manifestações, articuladas através de redes sociais – Facebook, Twitter, WhatsApp -, ocorreram em mais de 30 cidades brasileiras. Manifestantes de outras partes do mundo também se posicionaram contra Bolsonaro, realizando atos em cidades como Buenos Aires (Argentina), Londres (Inglaterra), Nova York (EUA), Lisboa (Portugal), Paris (França) e Berlim (Alemanha).
Os protestos foram convocados através de redes sociais, e principalmente, por meio da divulgação no grupo “Mulheres contra Bolsonaro”, no Facebook. O grupo foi criado no final de agosto e já contava com 800 mil integrantes 12 dias após sua formação. Porém, no dia 14 de setembro, acabou sendo hackeado por um grupo de pessoas que não foram identificadas.
Impulsionadas pelo mote “#EleNão” - propagado na internet dias antes do primeiro turno -, diversas celebridades, influenciadoras, artistas e formadoras de opinião se aproveitaram do espaço que possuem na esfera pública digital, para se posicionarem contra os discursos de ódio realizados pelo candidato à presidência. Entre mulheres famosas que se manifestaram contra “ele” pode-se citar as atrizes Bruna Marquezine, Patrícia Pillar, Deborah Secco, Ellen Page, Elza Soares, Clarice Falcão, Gal Costa, Pitty, Anitta, Daniela Mercury, Cher, Dua Lipa e Madonna. A maioria fez uso das redes sociais para expor seu posicionamento, que acabou por influenciar diversos seguidores.
Celebridades se posicionam nas redes contra a presidência de Jair Bolsonaro. Para ver mais imagens, clique na seta branca a direita.
As mulheres do campo da política também usaram as redes sociais para se manifestarem contra a candidatura de Bolsonaro, mesmo após sua eleição. Rita Andrade (PSOL), de 55 anos, foi candidata a deputada distrital do DF, e durante sua campanha, participou ativamente dos movimentos contrários a ele. “Nos últimos anos, tivemos vários avanços sociais e políticos, e tudo que o candidato propõe, soa como um grande retrocesso fundamentalista e nacionalista. No momento, temos que combater essa onda de ódio que vem crescendo no mundo todo e lutar pela democracia”, afirmou Rita.
Já Hellen Frida (PT), 27 anos e ativista, chamou atenção durante entrevista para a necessidade de criar estratégias de defesa quando se é mulher, principalmente nas redes sociais. “Precisamos nos esforçar para segurar a onda durante esse mandato. O país está em uma situação muito delicada, e por isso precisamos criar estratégias de autodefesa e de defesa na internet”, alegou Hellen.
Fátima e Rita: mulheres de luta
Rita Andrade, no auge de seus 55 anos, é uma mulher trabalhadora da cultura, artista, educadora, empresária e diretora de produção de audiovisual. Ela se candidatou para Deputada Distrital no DF pelo PSOL no ano de 2018, porém não foi eleita, obteve 830 votos (0,06% dos válidos) segundo a Gazeta do Povo.
Enquanto isso, Fátima Sousa, 57 anos, é enfermeira, sanitarista, professora da UnB, é militante da saúde pública e defensora do SUS. No mesmo ano que Rita, Fátima se candidatou ao cargo de governadora do DF, também pelo PSOL, mas não foi eleita, adquirindo cerca de 65 mil votos (4,35% dos válidos). Duas mulheres ex-candidatas a cargos públicos do DF, ambas na mesma faixa etária e ligadas ao mesmo partido. Duas são mulheres de luta.

Tanto Fátima, quanto Rita, já sofreram em suas caminhadas, assim como passaram por situações de machismo. Mesmo assim, seguiram com suas cabeças erguidas e mantiveram o foco em seus objetivos. Em entrevista produzida pela equipe Labrys, Fátima mencionou as dificuldades para uma mulher nordestina e LGBT ser introduzida no mercado de trabalho e no meio político. Ela também exemplificou as ofensas que recebeu durante sua campanha, com frases que ouvira durante o 1° turno, como “O que faz uma professora universitária querer governar o Distrito Federal?”, ou “Professora, a senhora é muito inteligente, mas é professora. Tem que voltar lá para sua sala de aula”. Podemos ver a palavra “mas” sempre à tona, na tentativa de subjugar a capacidade da candidata.
Rita Andrade comentou sobre os assédios que sofreu em seu trabalho. “Eu já sofri assédio moral e sexual tanto na minha vida real, como na virtual. Inclusive, durante o momento da campanha, vi minhas redes sendo atacadas algumas vezes”, declarou a ex-candidata. São notáveis os rastros de assédios e machismo por qualquer lugar onde as mulheres passam, enquanto Fátima e Rita são apenas duas entre várias outras políticas vítimas dessa opressão. “Temos que nos organizar e ir para as ruas”, expressou Fátima ao ressaltar a necessidade de uma mobilização feminista.
É importante lembrar que, apesar dos benefícios que a esfera digital traz para a transparência e divulgação política, as redes também possuem seus males. Rita demonstrou uma certa preocupação em relação a questões étnicas dentro do meio virtual: “As redes sociais, se forem usadas com rigor e com ética, são extremamente benéficas, mas também podem ser extremamente negativas, como estamos vendo agora no país, com a propagação de tantas fake news”. Em entrevista, Fátima também chamou atenção para outro ponto negativo desse meio digital: “As redes sociais devem ter função de prestação de contas na política, mas o que eu vi durante minha campanha online foi muito ódio, tanto da esquerda, quanto da direita”.
A candidata ao governo do DF explicou que, por conta da falta de dinheiro disponível para sua campanha e pelo tempo limitado de propagandas eleitorais na televisão, direcionou grande parte de sua candidatura por meio das redes. Porém, para Fátima, os recursos se mostraram limitados até na internet, já que é necessário impulsionar as publicações para que tenham um alcance significativo. Fátima mencionou que o WhatsApp ajudou bastante, mas que o forte de sua campanha foi a ida as ruas, visitando diversas cidades e regiões da capital.
Entrevista com Rita Andrade
Rita Andrade, além de política e feminista, adepta ao feminismo interseccional, também é diretora de produção e já exerceu diversas profissões no campo do audiovisual.
Rita contou ao blog Labrys sobre suas crenças e dificuldades que encontrou dentro do ramo político, principalmente por ser mulher. A candidata também falou sobre o papel das Fake News e das redes sociais em campanhas políticas. Confira:
Labrys: Em sua opinião, qual é a principal vantagem para outras mulheres com a representação feminina na política?
Rita: A representação feminina na política é fundamental para que a gente consiga alcançar um equilíbrio social. Nós sabemos que as mulheres têm um olhar mais humanista, e nesse momento eu acredito que é extremamente necessário esse olhar, e essas ações mais voltadas para os direitos humanos e para as questões sociais. Hoje, no Brasil, nós somos a maioria. Nós somos 54% da população brasileira, somos mais escolarizadas, somos mais capacitadas e já somos comprovadamente competentes para ocupar esses cargos. Precisamos ocupar o poder e esses campos de decisão o quanto antes, para geramos harmonia e equilíbrio em nosso país.
L: Você se considera feminista? Se sim, segue alguma vertente específica?
R: Sim, eu sou uma mulher feminista e sou uma mulher de luta, que trago o feminismo no meu dia a dia e atuo principalmente na inclusão de mais mulheres no mercado de trabalho, principalmente no meu setor (audiovisual), onde vemos uma dominação masculina muito grande. Nesse momento, me identifico mais com o feminismo interseccional, porque é evidente que não se sofre só porque se é mulher. É preciso analisar as especificidades das mulheres e hoje já é mais do que claro que as mulheres negras que estão na base da pirâmide social acabam sofrendo muito mais do que outras mulheres que se encontram em outros patamares dessa mesma pirâmide, então é importante que a gente faça esse recorte social.
L: Já sofreu machismo no seu campo de trabalho? De que forma?
R: Eu já sofri muito machismo na minha área de trabalho, muito mesmo. E mais do que machismo já sofri vários assédios morais. Eu lembro que assim que eu entrei no audiovisual, os settings de gravação tinham muito mais homens, e rapidamente eu alcancei um cargo de direção de setting, de direção de edição e era horrível porque eles não ouviam o que eu falava, só falavam entre si e não me escutavam, era muito estranho. Foi a partir disso que eu me dediquei a introduzir mais mulheres nesse setor. Um caso muito sério pelo qual passei foi dentro da TV câmara, onde um diretor de um departamento que eu trabalhava cismou comigo, me tratava muito mal, acredito que seja porque eu o desafiava com soluções de problemas, com soluções fáceis, rápidas e baratas. Ele foi muito violento comigo, violento no sentido verbal e psicológico, chegou a me assediar moralmente, de uma forma muito severa e acabou me demitindo por telefone. Foi muito triste, um momento difícil da minha carreira, mas a gente passa por isso e continua na luta, amadurece.
L: Qual é a importância das redes sociais para divulgar campanhas políticas?
R: A importância é enorme, porque de alguma forma, as redes democratizam o processo. É muito importante que a gente democratize a grande mídia, já que temos hoje no nosso país um sistema político onde a divisão do espaço de mídia se faz de acordo com o tamanho do partido e o volume de cadeiras que ele tem nos parlamentos. A rede social possibilita que políticos que não tem acesso a um acordo político, possam se pronunciar. Porém, isso ainda tem que melhorar muito. As redes sociais, se forem usadas com rigor e com ética, são extremamente benéficas, mas dentro desses critérios éticos, podem ser muito maléficas, como estamos vendo agora no país.
a conquista ao voto pelas mulheres
Hoje, as mulheres têm o direito pleno ao voto, e podem até mesmo ocupar cargos de poder político. Porém, nem sempre foi assim. De acordo com os livros de história, a mulher brasileira conquistou seu direito de voto em 1932, mas a real história é que a luta para que o voto feminino fosse obrigatório e valorizado demorou muito para acontecer.
Confira uma breve linha do tempo sobre a trajetória dos direitos femininos no Brasil:
Edição de vídeo: Carolina Cabral
O ano de 2018 trouxe muitas conquistas, e certamente um aumento no número de candidatas em todos os cargos políticos. Para que haja uma igualdade entre homens e mulheres na política, ainda é preciso muita luta. "Como há 42 anos eu luto, continuarei lutando sempre, seja através de um mandato parlamentar, ou de outras formas", declarou Erika Kokay durante sua entrevista. É preciso que mais mulheres sigam o exemplo de Erika. Mulheres, agora é a hora de ocuparmos as trincheiras.
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